Oferta mais restrita dos bancos, juros altos e menor avanço na renda do trabalhador vão desacelerar o ritmo de financiamentos
16 de março de 2014 | 22h 01 | Márcia De Chiara - O Estado de S. Paulo
O crédito total que os brasileiros usam para comprar carro, casa e outros bens,
além de financiamentos no cartão de crédito, no cheque especial e do crédito
para uso pessoal, deve registrar neste ano a menor taxa de expansão desde 2003.
A pisada no freio no ritmo de oferta de financiamentos sinalizada pelos bancos
públicos, o encarecimento do crédito e o menor avanço na renda do trabalhador
reforçam a perspectiva de desaceleração no volume de empréstimos.
Para 2014, o saldo da carteira de recursos destinados às
compras das pessoas físicas, incluindo recursos livres e direcionados, deve
atingir R$ 1,4 trilhão, com crescimento de 7,8%, descontada a inflação do
período, nas contas da Tendências Consultoria Integrada. Se a projeção se
confirmar, este será o quarto ano consecutivo de desaceleração do ritmo de
crescimento do crédito a pessoas físicas. Em 2013, a expansão real foi de 9,8%,
e em 2011 e 2012, de 11,4% e de 10,4%, respectivamente. Em períodos anteriores,
o crescimento passava de 20% ao ano.
"Depois da festa do crédito ao consumidor, este será um
ano de crescimento moderado", afirma a economista da consultoria,
responsável pelas projeções, Mariana Oliveira. Ela atribui a desaceleração de
dois pontos na taxa de crescimento do saldo da carteira total prevista para
este ano basicamente à perda de ritmo dos financiamentos direcionados,
principalmente da carteira imobiliária.
O saldo da carteira direcionada, que cresceu 24,7% em termos
reais em 2013, deve se expandir 13,8% este ano. Para a carteira de recursos
livres, que inclui veículos, crédito pessoal e cartão, a projeção é de uma
pequena aceleração, 3,8%, depois de um avanço de apenas 1,6% em 2013, provocado
pelo tombo de 5,8% no saldo da carteira de veículos.
"Os bancos públicos pretendem limitar o crédito
imobiliário, que deve ter uma desaceleração importante este ano", afirma
Mariana. Em 2010, o saldo da carteira de crédito imobiliário tinha crescido 47%
em termos reais; no ano passado, 26%. A projeção da consultoria para este ano é
de 18%.
Para o economista da LCA Consultores Wermeson França, o
mercado de crédito imobiliário não terá mais a pujança dos últimos anos. Ele
observa também que até mesmo o crédito consignado, aquele com desconto na folha
de pagamento, já está saturado. "A concorrência é muito forte, não tem
espaço para crescer e o spread está caindo."
Aperto. Um fator que tira o fôlego da expansão do crédito é
a alta dos juros, que reflete o aperto monetário, provocado pela elevação da
taxa básica de juros, Selic - que sobe desde abril de 2013 e hoje está em
10,75% ao ano. Nos financiamentos imobiliários, por exemplo, a taxa de juros já
aumentou 0,6 ponto porcentual de dezembro para janeiro nas linhas reguladas e
mais de um ponto porcentual no segmento de mercado. Os juros médios das linhas
de financiamento com recursos livres, que atingiram 36% ao ano em 2013, devem
subir para 39,6% ao ano em 2014, prevê Mariana.
Para o diretor da área de empréstimos e financiamentos do
Bradesco, José Ramos Rocha Neto, o aumento da Selic tem impacto muito pequeno
nos juros cobrados nas linhas de financiamento direcionadas e, nas carteiras
com recursos livres, ele diz que reflexo nas taxas ao consumidor é marginal.
O Bradesco projeta para este ano uma expansão nominal entre
11% e 15% no saldo da carteira de financiamento à pessoa física. No ano
passado, o saldo cresceu 11,2%, sem descontar a inflação. Na avaliação de Rocha
Neto, tanto o comportamento dos bancos como do consumidor está mudando.
"Aquele movimento de seis anos atrás, de o consumidor emprestar o nome
para obter crédito, diminuiu. Ele está mais consciente." E, hoje, os
bancos, quando percebem que o cliente está endividado em linhas mais caras,
como no cheque especial, procuram orientar a migração para as mais baratas.
Essa também é a política do Banco do Brasil, segundo o
diretor de empréstimos e financiamentos, Edmar Casalatina. "O consumidor
está consciente e buscando linhas mais baratas." Um exemplo é a procura
crescente pela linha de antecipação do Imposto de Renda, que registrou nos dez
primeiros dias do mês aumento de 25% em relação a igual período de 2013.
"Os clientes procuram financiamentos que oneram menos o
orçamento, como a de antecipação do Imposto de Renda, em que a taxa é de 1,69%
ao mês", explica.
No ano passado, o saldo da carteira de crédito total de
pessoa física do BB cresceu 16,2%, sem descontar a inflação. Para este ano,
Casalatina projeta uma expansão entre 12% e 16%.
Mais cautela. Depois do boom de consumo, endividamento,
inadimplência e renegociação de pendências no ano passado, o brasileiro está
tentando assumir menos dívidas em 2014. Essa é a avaliação de Nicola Tingas,
economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito,
Financiamento e Investimento (Acrefi).
Segundo ele, esse ajuste no crédito em 2013, tanto entre os
consumidores, que renegociaram as dívidas em atraso, como entre os bancos, que
ficaram mais rigorosos nas concessões, deve melhorar a qualidade do mercado de
financiamentos neste ano. "Existe um amadurecimento na tomada de crédito e
a economia está hoje menos alavancada", diz.
Pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil)
mostra que, em fevereiro, o número de consultas para vendas a prazo em todo o
País cresceu apenas 0,69% em relação a 2013. Em fevereiro do ano passado, o
indicador tinha aumentado 11,23% ante o mesmo mês de 2012. Em termos anuais, o
resultado de fevereiro último foi o mais fraco desde agosto.
Na opinião da economista do SPC Brasil, Luiza Rodrigues, o
dado mostra que os lojistas estão mais criteriosos na concessão de crédito e os
consumidores não estão dispostos a assumir novas dívidas. Outra informação que
reforça essa tendência é que caiu o número médio de dívidas por consumidor
inadimplente nos últimos seis meses.
http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-geral%2ccredito-deve-registrar-menor-alta-desde-2003%2c179709%2c0.htm
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