sexta-feira, 26 de maio de 2017

Empresas precisam (e podem) fazer sua parte para “virar o jogo” da corrupção.

Há sempre escolhas, desde que se tenha princípios sólidos e a determinação de enfrentar as consequências.



(Foto Divulgação)


O país ainda digere, de estômago embrulhado, as revelações da JBS. Se a delação da Odebrecht já era vista como “o fim do mundo”, o que seria essa, então? Ambas envolvem as maiores empresas em seus setores e políticos de alto escalão, dos mais variados partidos.
Os fatos têm levado a um importante debate sobre o lado do poder, com propostas de reformulação do sistema partidário, por exemplo. Outras atacam a nevrálgica interface político-empresa, no que se refere ao financiamento de campanha e decorrentes favores.

Isso tudo se encontra exaustivamente discutido na mídia, embora andem a passos muito lentos. Mudanças radicais são necessárias, mas continuam sendo adiadas. O momento exige também uma reflexão sobre o lado das empresas, seu papel nessa “simbiose do mal” e sobre mudanças radicais, que, apesar de ainda nem terem começado, também são necessárias o quanto antes. Vamos analisar alguns aspectos.
Por um lado, temos empresas cujos fundadores ou controladores teriam adotado deliberadamente como modelo de negócio as relações de corrupção com o poder, de forma a obter todo tipo de benesses, fazendo suas empresas crescerem rapidamente. Outras se organizariam em cartéis e combinariam formas de obter contratos superfaturados, comprando a colaboração dos que deveriam inibir esses arranjos. Conseguiriam, assim, altos lucros, sem precisar investir em eficiência. Esses modelos são casos de polícia, não de gestão. Felizmente, eles começam a ser desmascarados.
Por outro lado, temos a grande maioria das empresas, que em princípio buscam atuar de maneira ética no mercado, prosperando pela competência. O problema é que essa determinação vai sendo colocada à prova nas mais diversas interações com o Estado, o que resulta na realimentação do sistema nas pequenas e grandes coisas.

Alguns colocam as empresas exclusivamente como vítimas: “Não há outra maneira de se fazer negócios”. Não concordo. Há sempre escolhas, desde que se tenha princípios sólidos e a determinação de enfrentar as consequências. E elas não são poucas. Aí está a dificuldade.
Vamos começar pelo “atacado”. Empresas cujos negócios, em grande escala, dependem de contratações, financiamentos ou regulamentações do governo. São via de regra pressionadas por agentes: ou pagam o “pedágio” ou não ganharão nunca os contratos. Muitas entram no jogo.
Algumas, inclusive, acabam gostando e partindo para fazer disso uma fonte de lucros adicionais. Existem diversos casos já comprovados em que dirigentes de multinacionais “explicaram” a suas matrizes que, no Brasil, tem de ser assim. Uma versão moderna do “não existe pecado do lado de baixo do equador”. O caminho mais difícil de denunciar e buscar alternativas ocorre nas exceções até aqui. Esperamos que o ambiente atual possibilite que mais empresas comecem a furar o cerco.
Um exemplo de atitude alternativa pode ser trazido das próprias campanhas políticas, que geram milhões para publicitários, sendo um grande mercado para o setor. Alguns poderiam argumentar que “não tem como não entrar nesse jogo que eles nos impõem”. Claro que dá. Algumas agências e publicitários renomados têm inclusive como princípio não trabalhar para políticos. Além de não quererem “vender” um político como produto aos eleitores, certamente querem ficar longe dos esquemas que em geral envolvem essas campanhas.

Além do “atacado”, temos o “varejo” da corrupção. Se por um lado movimentam valores menores, sua capilaridade gera danos talvez até maiores. Toda empresa já se viu em uma situação em que depende de inúmeras aprovações de órgãos federais, estaduais ou municipais. Em cada situação, as condições obscuras de regulamentações dúbias, a demora e a burocracia geram oportunidades de corrupção, seja por parte de agentes públicos, extorquindo propina para liberar, ou por parte das empresas, para passar por cima de multas ou requisitos que não atendem. Quantos gerentes já não argumentaram: “vamos pagar algumas dezenas de milhares de reais, mas vamos evitar a perda de centenas”.
Uma lógica empresarial de investimento e retorno, mas que fere um valor inegociável, que é um dos pilares de empresas competitivas: a ética nos negócios. A transgressão em “pequenas” coisas gera a fraqueza de valores que evolui para as “grandes”. Inclusive corrupções de funcionários contra a própria empresa. A única forma de uma empresa ser lucrativa de forma honesta e sustentável é agregando valor aos clientes e sendo mais eficiente a cada dia. Não existe atalho para isso, e os que existem esperamos que sejam fechados.

Não tenho nenhuma solução mágica. Não é nada fácil para uma empresa ou empresário dizer não ao sistema. É preciso muita coragem. Movimentos setoriais e em grupo ajudariam muito. Se a torneira for fechada de um lado, não jorrará do outro.
Não sei se sou muito ingênuo ao esperar que isso um dia aconteça e que um grande movimento empresarial comece a mudar o jogo. Assim como todos nós, como cidadãos, esperamos que o sistema político mude. Mas só nos resta sonhar e fazer nossa parte, pressionando os políticos, mas também mudando nossas próprias atitudes no dia a dia.
Nos aspectos gerais, só os movimentos sociais poderão exigir a mudança do ambiente de relacionamento entre políticos e empresas. Dentro das empresas, podemos também atuar, dando um basta a essa forma de atuação, não aceitando e denunciando qualquer indício de corrupção. Nas grandes e nas pequenas coisas. 


http://epocanegocios.globo.com/colunas/Enxuga-Ai/noticia/2017/05/empresas-precisam-e-podem-fazer-sua-parte-para-virar-o-jogo-da-corrupcao.html

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