terça-feira, 4 de outubro de 2016

Renegociação de dívidas soma R$ 430,5 bi e alimenta recuperações de crédito.

Alta nesse montante foi de 82% em relação a 2014.


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Oi passa pela maior recuperação judicial já feita no país, com dívida de R$ 64,5 bi - Michel Filho / Agência O Globo
 

RIO - A crise da dívida brasileira vai muito além daquela devida por estados e União: empresas e famílias estão afundadas em débitos caros e difíceis de honrar com a renda desidratada pela recessão. A gravidade da situação, porém, impulsiona segmentos que salivam justamente sobre créditos inadimplentes. Negócios como o de reestruturação de grandes dívidas corporativas, aquisição de carteiras de "crédito podre" e recuperação de contas em atraso estão tendo o ano mais movimentado dessa indústria. Existem, hoje, no Brasil R$ 403,5 bilhões em créditos bancários renegociados ou reestruturados - quando há mudanças nas condições de financiamento devido a dificuldades enfrentadas pelo devedor -, 82% mais do que em março de 2014, segundo números do Banco Central (BC). Considerando-se apenas as empresas, o valor subiu 85% no período, para R$ 176,56 bilhões.

Não há dados consolidados sobre o mercado de assessorias para reestruturação corporativa, mas os casos de 20 grandes empresas que anunciaram ou concluíram este ano processos de reestruturação ou recuperação judicial mostram como a demanda está aquecida. O débito em jogo nessas empresas é de R$ 144,7 bilhões. Parte relevante é formada por títulos de dívida (debêntures e bonds emitidos no exterior), que não entram nas contas do BC. São casos de destaque como os de Oi - que passa pela maior recuperação judicial já feita no país, com dívida de R$ 64,5 bilhões - e Sete Brasil, mas também de firmas menores, como a Log-In, de logística que repactuou R$ 481 milhões, e Usina Coruripe, de açúcar e álcool, que reestruturou R$ 1,9 bilhão.
- A crise se instalou em velocidade tão grande que a geração de caixa praticamente sumiu antes de as empresas conseguirem fazer ajustes. Sem poder pagar as dívidas, as empresas estão tendo que fazer reestruturações - afirmou Renato Franco, sócio da Íntegra, uma das pioneiras desse segmento no país, tendo reestruturado a Parmalat em 2006.

O banco Brasil Plural estima que de 60% a 70% das companhias abertas não geram caixa suficiente para pagar sequer os juros de suas dívidas. A reestruturação envolve um diagnóstico da situação financeira da empresa que leva a uma renegociação com bancos e credores, em busca de alongamento e carência. Caso não dê certo, o caminho é partir para recuperações extrajudiciais ou judiciais.
- Embora já haja alguma expectativa de reação econômica, isso ainda não chegou aos balanços das empresas. O que houve foi uma estabilização em um ponto muito baixo. Os juros continuam altos, o custo das empresas está entre 18% a 20% ao ano. Isso gera destruição de geração de caixa e vai demorar para melhorar - disse Ricardo Carvalho, chefe de Ratings Corporativos da Fitch.

 
Bancos independentes e consultorias estrangeiros como Moelis, PJT, Rothschild e FTI Consulting vêm explorando com mais força esses serviços no Brasil, sobretudo quando bonds integram as dívidas. Estima-se que só a Moelis - que assumiu casos como Oi, Coruripe, Log-In e Tonon - já atuou na recuperação de mais de US$ 20 bilhões desde que chegou ao Brasil, em 2014.
 
Mas a crise da dívida tem chamado a atenção de bancos que não atuavam no segmento. São instituições que viram encolher suas receitas com assessoria de fusões e aquisições - cujo número de transações caiu 28% no primeiro semestre, segundo a PwC - justamente por causa da crise e buscam recuperá-las por meio desse segmento. O americano JP Morgan é um dos novos entrantes, assessorando a Samarco na reestruturação de dívida líquida de R$ 13,1 bilhões.

O Brasil Plural investe no segmento: criou a área de special situations há três anos e tratou de 15 casos que somam dívida bruta de R$ 25 bilhões.
- Não somos um banco de crédito. Não temos qualquer conflito de interesse para fazer reestruturações, já que não somos credores das empresas - afirmou o sócio Warley Pimentel, que atua como presidente do Grupo Colombo, rede de vestuário masculino que contratou o banco para reestruturar dívida de R$ 1,5 bilhão. - Hoje, o segmento é bastante relevante para o banco.
O Brasil Plural quer aumentar a equipe especializada nessa área de 12 para 18 funcionários este ano; no futuro próximo, o objetivo é dobrar o número. Em cada reestruturação, o banco contrata especialistas externos, como advogados e consultores.

Os bancos credores se prepararam para fazer frente à deterioração das finanças corporativas, tornando improvável um abalo ao sistema, segundo Alcir Freitas, analista da agência Moody's. Segundo a agência, nos bancos privados, as provisões contra calotes equivalem a 180% dos créditos problemáticos, contra 150% em 2013.
Os bancos têm sido mais atuantes na venda dos chamados "créditos podres", carteiras em atraso cuja chance de recuperação é considerada cara por ser mais improvável. Além disso, é uma forma de gerar receita extra num momento de menor concessão de crédito. Os sócios da KPMG Brasil Fernando Omori e Fábio Barbosa estimam que o volume vendido pode chegar a até R$ 30 bilhões este ano, 15% mais que os R$ 26 bilhões do ano passado. No começo da década, o mercado era de R$ 6 bilhões; o potencial é de atingir R$ 50 bilhões em 2020, disse Alexandre Nobre, da RCB 

Investimentos, que compra e recupera carteiras.
- O crescimento vai depender de os bancos adotarem uma estratégia de colocar ao menos 25% ou 30% de sua carteira no mercado - afirmou Nobre.
Firmas como a RCB pagam entre 2% e 5% do valor de face dos créditos podres.
- O mercado está mais movimentado, estamos crescendo 26% ao ano. Mas, por causa da crise, ficou muito mais difícil recuperar o crédito. Não existe mais devedor que não paga porque não quer. Isso é 1%. As pessoas não estão conseguindo pagar - contou Rodrigo Carvalho, diretor de Operações da Paschoalotto, que presta serviço de recuperação de crédito aos principais bancos e tem a Gávea Investimentos entre os sócios.

A crise da dívida corporativa está levando à ampliação do sofisticado mercado de fundos de investimentos cuja rentabilidade está ligada a recebíveis inadimplentes. O patrimônio dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDICs) com foco em crédito inadimplente saltou 136% em dois anos, para R$ 4,4 bilhões, segundo levantamento da consultoria Uqbar feito a pedido do GLOBO. Os maiores gestores são o Banco Merrill Lynch (patrimônio de R$ 1,74 bi) e a Península (R$ 513 milhões).
- O segmento cresce tão fortemente que vem levantando a indústria de FIDCs como um todo - disse Carlos Augusto Lopes, sócio da Uqbar.

http://oglobo.globo.com/economia/renegociacao-de-dividas-soma-4305-bi-alimenta-recuperacoes-de-credito-20215905

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