04 Julho 2017
Se depender dos
gastos familiares, a economia continuará em marcha lenta – avançando,
quase certamente, mas sem grandes arrancos. Isso deve perdurar pelo
menos até uma boa limpeza nos orçamentos caseiros. Em maio, com mais 900
mil nomes adicionados à lista, o número de consumidores inadimplentes
chegou a 61 milhões, segundo a Serasa Experian. Foi o maior contingente
registrado na série iniciada em 2012. Isso corresponde a quase um terço
da população brasileira, incluídos bebês, crianças e jovens menores de
idade. Desemprego ainda muito elevado, com 13,8 milhões de desocupados
no trimestre de março a maio, e crédito escasso e caro são obviamente as
principais explicações. Um ano antes, o cadastro apontava 59,5 milhões
de inadimplentes.
Pessoas com dívidas em atraso pouco poderão contribuir para a
recuperação dos negócios no varejo. Mantido esse quadro, o consumo das
famílias até poderá crescer mais que o investimento privado, neste ano,
mas ainda avançará em ritmo insuficiente para tirar do já prolongado
marasmo a economia nacional. A seca do crédito prossegue, embora a taxa
básica de juros, a Selic, esteja em baixa desde outubro. Há cautela de
lado a lado. Os bancos permanecem muito cuidadosos na concessão de
empréstimos, enquanto os tomadores – pessoas jurídicas e físicas – se
mantêm prudentes na busca de financiamentos.
Com outro padrão de medida, o Banco Central (BC) também mostrou o
aumento da inadimplência das famílias em maio. A parcela dos saldos com
atrasos superiores a 90 dias atingiu 4,1%. Essa taxa foi 0,1 ponto
porcentual maior que a de abril, mas houve recuo de 0,2 ponto em 12
meses.
A melhora no intervalo de um ano, portanto, foi muito limitada.
Em 12 meses diminuiu 14,1% o crédito concedido a pessoas jurídicas e
aumentou 2,5% o destinado a pessoas físicas, variação nominal inferior à
inflação. No mesmo período, o saldo total dos financiamentos caiu 3,6%
em comparação com o Produto Interno Bruto (PIB). O saldo comprometido
com as pessoas físicas encolheu 0,2% na mesma relação.
Sem o recuo da inflação, observado claramente a partir do segundo
semestre do ano passado, o orçamento familiar estaria muito mais
apertado. A menor variação de preços foi acompanhada de juros básicos
menores e até de alguns sinais positivos na oferta de empregos. Durante
algum tempo, consumidores e empresários mostraram maior otimismo – ou
menor pessimismo – quanto ao futuro próximo. Mas a inadimplência
permaneceu elevada, mesmo com algum esforço de renegociação de dívidas. A
melhora muito vagarosa da oferta de empregos dificultou a recomposição
das finanças familiares, limitando as possibilidades de aumento de
gastos com bens e serviços.
Pesquisas de junho têm mostrado uma piora na disposição de
empresários e consumidores. Até maio, tinha havido alguma melhora. Os
números da inadimplência divulgados pela Serasa e pelo BC ainda se
referem a maio. Esse detalhe é importante.
As pesquisas sobre
expectativas mostraram resultados piores no mês passado, semanas depois
do início da crise associada às denúncias contra o presidente da
República. O aumento da inadimplência dos consumidores, observado em
maio, foi independente, portanto, do agravamento da incerteza política.
Foi, tudo indica, uma decorrência das condições inseguras da economia,
com recuperação vagarosa, muito dependente da agropecuária, disseminada
apenas parcialmente no setor industrial e com escassa geração de
oportunidades de trabalho.
Durante algum tempo, os mais otimistas apontaram uma economia –
em começo de recuperação – descolada dos problemas políticos. Os dados
da inadimplência mostram o descolamento de outra perspectiva: também os
aspectos frágeis da reativação foram independentes, pelo menos até maio,
das incertezas em Brasília. Com o surgimento da crise, a insegurança
política voltou a afetar as expectativas e as decisões na área dos
negócios. A resposta sensata é obviamente procurar, dentro dos limites
da lei, a solução menos demorada e menos custosa para esse novo desafio.
http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,inadimplencia-mais-um-freio,70001875499